Reforma tributária: Brasil precisa rever tributação de lucros das multinacionais
Caminham a passos largos as tratativas do novo Governo para aprovar o projeto de reforma tributária.
Dalton Luiz Dallazem
Perin & Dallazem Advogados
Caminham a passos largos as tratativas do novo Governo para aprovar o projeto de reforma tributária. A proposta mais relevante reestrutura, numa grande fusão, os principais impostos que incidem sobre o consumo e desloca parte da tributação da renda das empresas para os sócios ou acionistas. Isso significa mudar o foco das cobranças para atingir também a distribuição de dividendos. A princípio não deve haver aumento de carga tributária, segundo sinalização do Governo.
Porém, a tributação dos lucros obtidos no exterior pelas multinacionais brasileiras é um ponto que chama a atenção e tem ficado de fora da discussão sobre prós e contras da proposta que já foram externados por acadêmicos, técnicos e políticos. Em determinadas circunstâncias, eles devem ser acrescentados à base de cálculo do imposto de renda das pessoas jurídicas quando ainda não disponibilizados para os sócios ou acionistas no país.
Ao contrário da tendência mundial, que é a isenção de tributos dos dividendos repatriados às controladoras nacionais, à qual até mesmo os Estados Unidos aderiram há pouco tempo, o Brasil insiste em aplicar impostos também nos dividendos ainda não repatriados.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a tributação ocorre, efetivamente, nas pessoas físicas dos acionistas, pois as chamadas corporations, quando são sócias de outras empresas do mesmo grupo, gozam de uma dedução dos dividendos recebidos.
Desde 2018, com a reforma tributária do governo Trump, os dividendos repatriados – oriundos de subsidiárias no exterior – não são mais incluídos na base de cálculo do imposto, salvo quando oriundos de rendas passivas, tais como juros e royalties.
Essa foi uma das grandes mudanças do sistema tributário norte-americano, onde o imposto sobre a renda é a mola mestra do orçamento da União. Ao passo que a teimosia do Brasil em continuar taxando os rendimentos, com a agravante de fazê-lo até mesmo antes de distribuídos, não é um bom caminho para a atração de investimentos. Além disso, ofende os tratados internacionais tributários dos quais o país é signatário, que visam evitar a dupla tributação da renda obtida além das fronteiras.
Quando uma subsidiária estrangeira de uma empresa brasileira aufere lucros no território onde está instalada, este valor é tributado de acordo com a lei doméstica daquela nação. Se o Brasil, antes de ocorrer eventual distribuição de dividendos, também cobra imposto sobre esse montante, opera em contradição ao que normalmente consta do artigo 7º dos tratados.
Esse artigo prevê que os ganhos de uma empresa obtidos em um Estado contratante – país estrangeiro, no nosso exemplo – somente podem ser tributados nesse país. Caso o lucro seja remetido ao Brasil a título de dividendos, aí sim o país estaria autorizado a tributar o que agora juridicamente não é mais lucro.
O Brasil pretende ser membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tendo protocolado sua intenção ainda no Governo anterior. Para que seja aceito pelos demais membros do órgão – e a decisão deve ser unânime –, necessita se adequar a padrões de conduta sugeridos para algumas áreas. Dentre elas, a tributação.
Nenhum membro da OCDE tributa lucros operacionais de subsidiárias antes que tenham sido distribuídos às controladoras. Nos Estados Unidos, por exemplo, vigora um regime de antecipação para a renda passiva, em geral juros e royalties, mas o imposto somente é aplicado previamente aos dividendos não distribuídos na proporção em que decorrem dessa renda passiva.
Portanto, se o Brasil realmente quer buscar bons padrões de compliance com o standard de capital-export neutrality, precisa rever o tema da tributação antecipada dos lucros obtidos no exterior por suas multinacionais.
Sobre o autor:
Dalton Luiz Dallazem é sócio fundador do escritório Perin & Dallazem Advogados, escritório jurídico especializado em direito tributário, societário e internacional, com 22 anos de mercado. É Mestre (PUC-SP) e Doutor (UFPR) em Direito Tributário e doutorando em Tributação Internacional, na Universidade da Flórida (EUA).