27/11/2017

O céu e o inferno das startups: a realidade por trás da expectativa de carreiras meteóricas

Para o psicólogo e pesquisador da Unicamp Guilherme Barati, cobrança exagerada e trabalho em excesso resultam em jovens desestimulados e infelizes

Guilherme Barati

Ainda que frustração e trabalho sejam palavras que não raro caminhem juntas, no cenário das startups e empresas de tecnologia em geral o panorama é mais grave. Há uma explicação para isso: por mais que carreiras desafiadoras, complexas e ambiente informal sejam grandes atrativos, a realidade de jornadas excessivas, cobranças autoimpostas e insegurança com resultados tem gerado jovens infelizes com a carreira e sem perspectiva de futuro. O diagnóstico é do psicoterapeuta especializado em questões profissionais e pesquisador da Unicamp Guilherme Barati (www.clinicadotrabalhador.psc.br).

"Esse sonho de enriquecer com startups nem sempre é real. É uma possibilidade que acontecerá com poucos. O modelo de remuneração variável e stock options comum ao setor faz com que o retorno não se dê de forma imediata. É uma promessa de resultado futuro, que pode ou não virar realidade", conta Barati. Além disso, como há uma carência até que as ações virem realidade, os profissionais se veem forçados a continuar no trabalho independentemente de como estejam se sentindo ali.   

Segundo Barati, as startups absorvem o máximo de demanda possível sem, no entanto, expandirem suas forças de trabalho na mesma proporção. Assim as equipes ficam sobrecarregadas com jornadas exaustivas, tanto física quanto psicologicamente, observa o psicoterapeuta. Não raro, as jornadas ultrapassam doze horas diárias e incluem finais de semana e feriado. Além disso, tempo livre é inexistente: o contato com chefes por e-mail e aplicativos de mensagem é constante.

Tudo isso é exacerbado pela valorização do protagonismo dos profissionais dentro das empresas, o que cria outro problema: qualquer falha passa a ser pessoal. Dessa forma, mesmo dificuldades ou percalços naturais no trabalho trazem um sentimento inevitável de culpa. "Eles assumem responsabilidades que não são deles. O que vejo em alguns pacientes dessa área é que eles acham que por mais que façam muito, nunca é o suficiente", conta o psicoterapeuta.

Régua alta

Guilherme Barati ressalta, no entanto, que há exceções para o cenário descrito, com perspectivas de carreira concretas e exigências cotidianas menos extremadas. Do ponto de visto dos profissionais, conta Barati a partir da experiência em seu consultório, alguns têm buscado empresas que proporcionam maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, mesmo que isso signifique um salário menor e crescimento mais lento.

O que torna a busca de alternativas mais difícil, no entanto, é a sensação de fracasso. “Buscar uma vida melhor muitas vezes vem como o abandono de um desafio, uma prova de fraqueza, pois o jovem sente que não conseguiu se superar e ser reconhecido num lugar onde a “régua de avaliação é alta”, um lema muito comum nas empresas atualmente”, diz o psicoterapeuta. Essa é uma metodologia que ele caracteriza como de calibração forçada. Na prática, você tem diversos profissionais muito bons, então separa os melhores. Depois, pega os melhores dos melhores. E, em seguida, os melhores dos melhores dos melhores.

“O resultado muitas vezes é o aumento significativo de profissionais que se valem de drogas estimulantes, com crises de angústia, pânico, estresse, síndrome de burnout e depressão como resultado dessa busca por ser o melhor", explica Barati.

Sobre Guilherme Barati

Guilherme Barati é psicólogo e doutor pelo núcleo de estudos em trabalho, saúde e subjetividade da Unicamp. Tem 19 anos de experiência em desenvolvimento de pessoas e atuou como coach no preparo de jovens talentos e executivos. Atualmente dedica-se à psicoterapia, focado principalmente em questões profissionais, com consultório em São Paulo, à rua Barão do Triunfo, 88, conj. 1.008, Brooklin. www.clinicadotrabalhador.psc.br